Eis o meu grito
De fulgor comprimido
Nos seus prantos, tão doído
Um grito de quem não tem abrigo
Eis o meu brado
A dor constante, um fardo
Carrego nos ombros, na cabeça, nos braços
Nas profundezas mais intrínsecas
Do meu coração estilhaço
Grito mudo
Porque embora todos escutem
Não excreta a dor
Amargura perpétua
Sem precedentes
tão repentinamente
(na verdade, inexistente)
sem razão, sem amor.
Ai, terror algoz
Uma sensação que parece
nunca padecer dentro de mim
Por que conturbas minha alma?
Por que ainda (até quando) sofro assim?
Dizem tanto nas cantigas
Que depois da turbulência vem a calmaria
Pois eu lhes digo: para mim, não chegou.
Não obstante as lágrimas quentes
que molham o frio marfim
Já não será a hora de a paz chegar, enfim?
Ai, há quanto tempo!
Só o Pai há de saber
E para o Pai eu rogo
Todas as noites (gélidas!)
Sem saber bem o quê
(Ele há de saber!)
Ai, há quanto faz!
que esse mal , aos poucos
como parasita impiedoso
a me consumir se satisfaz
se alastra pelos meus amores,
meus sonhos (não poucos!)
minha coragem, outrora tão audaz!
Um bumbo grande
Em que a bigorna bateu, forte
E agora, ele não volta ao normal (ao meu normal)
E quando vem algum tipo de sorte, a acalmá-lo
lá vou cair novamente no revés
de vê-lo mais fortemente excitado
Uma gaveta
que guardava minhas vestes
tão coloridas, belas, floridas
tão representantes de tudo que acredito
que aprecio, que amo, que sou.
(em algum lugar, eu sei que sei que sou)
Agora, revirada.
De repente, espancada.
Jogaram tudo para o alto
E está tudo tão espalhado!
Tudo voa, de novo, de minhas mãos
Para ficar em todo lugar, ainda esparramado.
Ah, meu Pai, rogo a Ti
Tu sabes meu medo da transformação
Deixar que a correnteza leve
Tudo o que pertence a mim
Não, por favor, não...
Eu não quero ficar de eterno
Com isso dentro de mim.
E essa dor, impávida em meu peito
Parece que já faz parte de quem sou
A única companheira que parece que ficou
Eu, sozinha. Eu e a dor.
Sufoca-me, torna-me anaeróbia
Porque não consigo respirar direito nesse rolo compressor!
Nos meus dias de alegria
Tão ingênua alegria
Me extasiava quando alguém exprimia
uma vontade grande de morrer (Por quê?!)
Mas o tempo, a crise, a "esquisofrenia"
também me trouxeram tais nuances suicidas
Antes, eu conseguia afastá-las habilmente
Com pensamentos singelos de esperança e harmonia
E por mais que o poço fosse fundo
Eu sabia que a luz alguma hora alcançaria
É tudo tão longe, agora, tão escuro
O futuro é tão griz, turvo, obscuro
que eu tenho medo de dar um passo pro lado
Cresceu a meu redor um muro
que torna tudo tão afastado
qe me exclui do mundo, de mim
de tudo (ou quase tudo) que me ajuda a dar mais passos
Me impede de enxergar, de recolocar no lugar
Tudo que sim, permanece em minha alma,
Porém, dilacerado.
Acenda a luz!
Acenda e me busque!
Vos grito e perturbo toda hora
Porque o meu maior medo
É que essa dor faça morada em mim
até a hora de eu ir embora
embora do mundo, embora daqui...
(Mariana Serman)