"A história da nordestina Macabéa é contada passo a passo por seu autor, o escritor Rodrigo S.M. (um alter-ego de Clarice Lispector), de um modo que os leitores acompanhem o seu processo de criação. À medida que mostra esta alagoana, órfã de pai e mãe, criada por uma tia, desprovida de qualquer encanto, incapaz de comunicar-se com os outros, ele conhece um pouco mais sua própria identidade. A descrição do dia-a-dia de Macabéa na cidade do Rio de Janeiro como datilógrafa, o namoro com Olímpico de Jesus, seu relacionamento com o patrão e com a colega Glória e o encontro final com a cartomante estão sempre acompanhados por convites constantes ao leitor para ver com o autor de que matéria é feita a vida de um ser humano." www.claricelispector.com.br ---------------------------------------------- So much for the every-day writing... folks! Traduzindo: não consegui cumprir (ainda) minha meta de escrever, diligentemente, todos os dias nesse blog. À moda britânica. Quem dera! Mas a estrada é longa, e o importante é insistir em tentar... pessoal! Resolvi dedicar o post ao livro que acabei de ler essa semana: A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, escrito em 1977. Eu poderia bancar a pseudo-intelectualizada-esclarecida-sobre-os-artifícios-sombrios-da-alma e dizer que captei o âmago desse romance de Clarice, abstraí seus sentidos e cheguei ao nirvana de sua mensagem central. Mas seria tudo uma tremenda baboseira, e a única coisa que eu seria digna de ser qualificada nesse esdrúxulo adjetivo é o "pseudo". Pois não sou nada disso. Logo, o que eu tenho a dizer é: não entendi, pelo menos não plenamente, qual é a da história. Conversando sobre ela com minha mãe, esta afirma: "É, não é fácil compreender a Clarice, ela é muito hermética". De fato, a narração da escritora, ao menos nessa obra e, antes de mais nada, a meu humilde ver, é um tanto fechada mesmo. Parece que a história, suas palavras, só fazem sentido, realmente, para sua própria inventora. Parece que as palavras brotaram de sua mente para suas mãos e, depois, em direção ao papel, como que soltas a esmo, numa espécie de frenesi. Sim, uma excitação impulsiva na tentativa de conseguir passar aquilo que aparece num estalo em seus pensamentos, de não perder uma só inspiração, de deixar o seu inconsciente falar e revelar o escondido em sua alma. Meio que no estilo do surrealismo: a escrita automática, que desnuda os mistérios do intelecto. Vejamos se vou me dar por entendida. Eis um trecho do livro: “Escrevo neste instante com algum prévio pudor por vos estar invadindo com tal narrativa tão exterior e explícita. De onde no entanto até sangue arfante de tão vivo de vida poderá quem sabe escorrer e logo se coagular em cubos de geléia trêmula. Será essa história um dia o meu coágulo? Que sei eu. Se há veracidade nela – e é claro que a história é verdadeira embora inventada – , que cada um a reconheça em si mesmo porque todos nós somos um e quem não tem pobreza de dinheiro tem pobreza de espírito ou saudade por lhe faltar coisa mais preciosa que ouro – existe a quem falte o delicado essencial.” Entenderam algo, de fato? Não. No contexto, é claro, é possível. Conhecendo o perfil da personagem, o desenrolar da narrativa, depreende-se um significado até bem profundo desse trecho. E, é claro, tendo um Qi mais elevado do que o meu. Falando sério, considero-me imatura para compreender, naquela compreensão que liberta a alma, que faz a gente suspirar ou ficar extasiados, esse escrito de Clarice. De repente, não tenha mesmo sua alma de poeta, com seus devaneios e questões muito além do comum, onde os olhos não vêem e só o coração sente. Algumas coisas me pareciam sem propósito, não faziam sentido, por mais que eu relesse: eu sabia existir algo ali que eu não estava conseguindo alcançar. Entretanto, olhando novamente para esse trecho, ele se encaixa na trama e na disposição dos personagens, principalmente a protagonista, Macabéa. E os trejeitos grotescos da moça, de certa forma, condizem com o fato de existir, em cada ser humano, seu lado bizarro, surreal; como é dito no trecho, o lado em que "todos nós somos um" e, de alguma maneira e em algum momento, todos já tivemos momentos nos quais parecia-nos faltar ânimo, alma, o delicado essencial. E, deveras, existem muitas pessoas desfalcadas desse delicado essencial. Esbarramos com ela todos os dias: umas vezes percebemos, outras, não. Ainda tem de se considerar que foi a última obra dela antes de falecer, creio que meses antes. Por isso, acredito ser a obra uma forma de suspiro final, de grito, de tentativa de compreender o mundo e o seu interior, já que ela própria se julgava um mistério que não entendia. Mas foi fazendo uma breve pesquisa sobre a autora, para a confecção desse post, que encontrei escritos nos quais ela, sim, genuinamente, capta elementos da autêntica essência humana, com simplicidade, beleza e profundidade. Fiquei embasbacada e emocionada diante de muitos deles! E fiz uma pequena seleção dos favoritos: “[...] Quando criança, e depois adolescente, fui precoce em muitas coisas. Em sentir um ambiente, por exemplo, em apreender a atmosfera íntima de uma pessoa. Por outro lado, longe de precoce, estava em incrível atraso em relação a outras coisas importantes. Continuo, aliás, atrasada em muitos terrenos. Nada posso fazer: parece que há em mim um lado infantil que não cresce jamais. Até mais que treze anos, por exemplo, eu estava em atraso quanto ao que os americanos chamam de fatos da vida. Essa expressão se refere à relação profunda de amor entre um homem e uma mulher, da qual nascem os filhos. [...] Depois, com o decorrer de mais tempo, em vez de me sentir escandalizada pelo modo como uma mulher e um homem se unem, passei a achar esse modo de uma grande perfeição. E também de grande delicadeza. Já então eu me transformara numa mocinha alta, pensativa, rebelde, tudo misturado a bastante selvageria e muita timidez. Antes de me reconciliar com o processo da vida, no entanto, sofri muito, o que poderia ter sido evitado se um adulto responsável se tivesse encarregado de me contar como era o amor. [...] Porque o mais surpreendente é que, mesmo depois de saber de tudo, o mistério continuou intacto. Embora eu saiba que de uma planta brota uma flor, continuo surpreendida com os caminhos secretos da natureza. E se continuo até hoje com pudor não é porque ache vergonhoso, é por pudor apenas feminino. Pois juro que a vida é bonita.” -------*------- "O que eu gostaria de ser era uma lutadora. Quero dizer, uma pessoa que luta pelo bem dos outros. Isso desde pequena eu quis. [...] No entanto, o que terminei sendo, e tão cedo? Terminei sendo uma pessoa que procura o que profundamente se sente e usa a palavra que o exprima. É pouco, é muito pouco.” -------*------- "O que sou então? Sou uma pessoa que tem um coração que por vezes percebe, sou uma pessoa que pretendeu pôr em palavras um mundo ininteligível e um mundo impalpável. Sobretudo uma pessoa cujo coração bate de alegria levíssima quando consegue em uma frase dizer alguma coisa sobre a vida humana ou animal.” -------*------- “Através de meus graves erros — que um dia eu talvez os possa mencionar sem me vangloriar deles — é que cheguei a poder amar. Até esta glorificação: eu amo o Nada. A consciência de minha permanente queda me leva ao amor do Nada. E desta queda é que começo a fazer minha vida. Com pedras ruins levanto o horror, e com horror eu amo. Não sei o que fazer de mim, já nascida, senão isto: Tu, Deus, que eu amo como quem cai no nada.” -------*------- “Até hoje eu por assim dizer não sabia que se pode não escrever. Gradualmente, gradualmente até que de repente a descoberta tímida: quem sabe, também eu já poderia não escrever. Como é infinitamente mais ambicioso. É quase inalcançável”. -------*------- “Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos. O ‘amar os outros’ é tão vasto que inclui até perdão para mim mesma, com o que sobra. As três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto. Tenho que me apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida. Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca [...].” -------*------- “Eu disse a uma amiga: — A vida sempre superexigiu de mim. Ela disse: — Mas lembre-se de que você também superexige da vida. Sim.” -------*------- Fonte: www.claricelispector.com.br Os trechos por si só são obras-primas, maravilhosos! Não sei quanto a vocês, mas me vi escrita em todos eles, mesmo que mais em determinadas partes. Através deles eu acredito, piamente, Clarice escreveu um pouco de todos nós. Não sou uma expert em Clarice Lispector: só li uma obra, alguns textos, pequenos recortes. Citando minhas amigas em nossos ate saudosos dias de terceiro ano/pré-vestibular, podem me classificar "poser", dizendo ser fingimento ou pieguice... Porém, só por esses pequenos fragmentos, eu já carinhosamente declaro que a verdadeira estrela é a própria Clarice, a qual revela um pouco desse brilho cósmico que existe em todos nós. E essa foi a hora dela no meu blog. A hora da estrela. A hora de Clarice. |
sexta-feira, 9 de abril de 2010
A Hora de Clarice
domingo, 4 de abril de 2010
Descobertas subestimadas
Tomamos por exemplo um bebê, em seus primeiros meses de vida. Eu sei, eu sei: ooooooh! Que bonitinho! Sim, é uma fofura, uma coisa rica e linda mesmo! Entretanto, o mais incrível é se prender aos detalhes. Como um ser humano tão pequeno pode ter mãozinhas perfeitas, com os detalhes das dobrinhas dos dedos e das covinhas rechonchudas; pézinhos que parecem bisnaguinhas com dedinhos, olhinho, nariz, orelha e um sorriso tão... desculpe a repetição, perfeitos (é difícil encontrar outra palavra pra isso)? Ou melhor, como pode haver um ser humano tão pequeno? Digo, nós já fomos daquele tamanho! É difícil ver-nos em miniaturas, e as miniaturas são sempre mais fofas; é um fascínio misterioso. Como é que a vida é realmente um milagre de Deus, não? Como é tudo tão... perfeito!
Embebida por esse sentimento de incredulidade, comecei a perceber que nós, homo sapiens adultos, esquecemos da maravilha que é descobrir. Tirar a cobertura das coisas, vê como elas são a fundo. Talvez, sim, porque naturalmente nos acostumemos com o que nos cerca. Porém, nesse costume, acabamos por deixar passar re-descobertas com potencial valor.
Vejo isso através do meu sobrinho (lindo demais!). Como ele, em seus 4 meses de vida, não deixa descansar os olhinhos, quando abertos, observando tudo ao redor, nos mínimos detalhes! E é tão bonito ver a cara dele de espanto, fascinado, descobrindo o mundo ao seu redor. É muito bonito mesmo. Desde cedo, ele descobrindo a si mesmo; sua mão, seus dedinhos, seus pés... ele todo, no espelho... que coisa linda!
Descobrindo os objetos, a luz no teto, na rua, os carros, os sons, as cores do mundo, as pessoas. Olhando, pensando, pensando, processando... E a gente tentando descobrir também: o que se passa naquela cabecinha que acabou de chegar? Lugares onde estamos acostumados a ir consistem sempre em uma nova jornada, algo realmente novo. A Rua Conde de Bonfim, que conhecemos tão bem, é um novo continente para ele, a ser desbravado. Almofadas, paredes coloridas, armários, chinelos, cadernos, quadros... Tudo é uma gama farta de formas e cores novas, incríveis!
E ele também re-descobre. Melhor do que nós! Sim, eu presenciei isso ontem. Ele redescobre como é olhar para a mãe, como é o sorriso dela, o seu cheiro (o do leite com açaí! hahahaha). Redescobre como deixa o papai bobalhão, fazendo um monte de palhaçadas só pra fazê-lo rir. Redescobre o seu nome, como ele soa ao seu ouvido. Redescobre os tios e tias, os avós e sua casa; mas redescobre com um tom de familiaridade, como quando se deita na sua própria caminha.
E a tia babona aqui só fica pensando como ele ainda tem a frente para conhecer... Esse mundo imenso, cheio de maravilhas, mas onde é preciso ter muito cuidado! E se empolga com a certeza de que ele será, realmente, um grande descobridor, que não apenas descubra, mas modifique, invente, e faça esse mundo melhorar! Pois é, eu descobri que consigo ver tudo isso no meu pequenininho sobrinho. E que descoberta mais maravilhosa! Sinto-me, de fato, afortunada por ela, por conhecê-la através dele, dessa benção em nossas vidas...
Nesse post, queria enaltecer o valor de descobrir, inclusive o velho. Nós somos muito displicentes, acabamos não reparando um belo dia de sol, ou até de chuva, alguns bens da natureza, "os lírios do campo e as aves do céu"... Que recuperemos essa vontade de saber novas coisas e de lançar um novo olhar sobre as antigas, apreciando-as todas, por mais simples que forem. Essa é uma maneira de agradecer por podermos apreciá-las.
E sempre existe algo inédito!
"Está claro que não devemos tomar as parábolas de Cristo ao pé da letra e ficar deitados à espera de que tudo nos caia do céu. É indispensável trabalhar, pois um mundo de criaturas passivas seria também triste e sem beleza. Precisamos, entretanto, dar um sentido humano às nossas construções. E, quando o amor ao dinheiro, ao sucesso nos estiver deixando cegos, saibamos fazer pausas para olhar os lírios do campo e as aves do céu."
(Olhai os Lírios do Campo - Érico Veríssimo)
Em homenagem ao meu sobrinho lindo e MUITO amado, Pedro, que completa seus 4 meses de vida. Que os próximos meses sejam cheios de amor, alegria, paz e saúde, e cheios de descobertas!